Estava aqui a pensar com os meus botões naquela frase que faz muito sentido em todos nós. Que só damos valor às coisas ou pessoas quando as perdemos. Isto a propósito de ser uma pessoa bastante arrumada lá em casa. Durante anos não saí de casa sem arrumar tudo primeiro, tirando uma coisa ou outra que não posso fazer por algum motivo, mal eu acordo faço a inspeção matinal a tudo. Sou demasiado arrumada, mas para bem da minha sanidade mental gosto de o ser. Gosto de ter tudo no lugar, e mesmo que não limpe o pó semanal, tudo o resto tem de estar sempre impecável. E olhem que lá por casa já vi com estes olhinhos muita coisa estranha, assim só para resumir: cascas de banana dentro da gaveta da roupa interior; cachos de uvas debaixo do sofá; frigorífico ou congelador completamente abertos durante a noite; manteiga literalmente pendurada nos azulejos da cozinha, e tantas outras pérolas que o dia não chegava para vos contar. Arrumo, limpo e raramente reclamo, muito raramente mesmo. Até porque acabo por me rir sozinha destes achados diários destes meus dois amores. E não vale a pena perder tempo com isso, que não seja arrumar e pronto. Da mesma forma que eu espero que contornem os meus defeitos, que os tenho e muitos, sem grandes alaridos e reclamações. Mas no dia que eu saí de casa à pressa, e só tinha duas opções, ou chegava atrasada ao meu destino ou deixava a casa imaculada como sempre, escolhi a primeira e nesse dia notaram efetivamente e em tom estranho fizeram reparo. E eu a pensar que nem davam por mim por ser tão arrumada e que o que faço diariamente passava despercebido e afinal... Isto fez-me lembrar aquele filme do David Linch que vi há anos, sobre um velhote que partiu no seu trator em viagem, decidido a procurar a irmã que há anos estavam zangados, e quando chega ao destino depois de algumas peripécias, recebeu a triste notícia que ela tinha acabado de morrer. Pois é, às vezes é preciso medidas drásticas para acordarmos de vez para a dura realidade que é, não darmos valor às pessoas enquanto elas estão connosco. Um dia pode tudo mudar e já não irmos a tempo de remediar o que muitas vezes pensamos que já não tem remédio, quando só a morte determina mesmo o fim de tudo.
Com isto tudo até me esqueci de colocar a receita. Uma sopa muito aromática com um caldo que se faz sem pressas e que o tomate seco perfuma e se esconde no fim.
Com isto tudo até me esqueci de colocar a receita. Uma sopa muito aromática com um caldo que se faz sem pressas e que o tomate seco perfuma e se esconde no fim.